Olho seu rosto e me choco a desastroso passado, por ser amado e saudoso e não me permanecer vivo até presente. Em seus olhos fundos, aprofundo a saudade. É canto de pássaro em primavera a me aparecer na retina. Sinto perfume de jardim florido, confirmo ao ver as azaleias lilases e brancas. Mais adiante as tulipas alaranjadas e rosas pousam no amor que tens por mim. Reservo a certeza desse afeto e isso me faz viver e ver ainda mais, outra vez, novament
e me encantar.
Nos séculos que se passaram, encontrei-lhe na fonte dos aguapés. Eu olhava triste meu reflexo na água cristalina a remexer-se pela superfície, através da leve brisa a correr. O cenário balançava perfeito, a contragosto de minha solidão nas profundezas, indecisa de tentar sobreviver. As imagens mostravam-se lindamente e escondiam a amargura de sua ausência na raiz daquele poço.
Assim alimentei a ideia de mergulhar e sumir pela vertente, lá embaixo. Entre tentativas e desistências, a falta de coragem me segurava na borda. Ali bordei a existência vazia, sem ninguém, até ouvir sua voz longínqua em diálogos consigo e com a passarada. Reparei os passos, ainda incógnito de sua visão. Observei os braços em gestos lentos a declamarem poesias. Não decifrei se havia rimas, não lhe ouvia. Só depois me fiz notar.
Então, você se ligou a mim e os aparelhos perceptivos se conectaram. Naquela manhã setembrina o deslumbramento vislumbrou a sagrada festa. A mão abanou à meia altura e os olhos fixaram-se insistentemente. O sorriso obrigou o sol aparecer e o calor incendiou labaredas de sentimentos. A grande paixão encurtou espaços e encheu corações necessitados. Bigode e alma combinaram encontrar-se agora. A hora aconteceu em segundos. O silêncio demorou anos.
Sem ser a primeira vez, tornou-se a única. Nunca mais o universo permitiria acontecer aquele momento. Só a palmeira depois da sanga premiou-se em assistir. Ninguém mais viu, sequer alguém ainda veria. O tempo consumiu-se em abraços e confissões de amor. A espera encontrou a presença daquele ser, sem saber quem seria e nem de onde viria. Apenas existiu e prosseguiu até a morte física. Sobreviveu durante toda a estação primaveril e a de verão. Adoeceu na fase outonal e minguou a gelo no inverno.
De lá para cá, transcorreu longo período sem chuvas e nem as lágrimas impediram o açude secar. As crateras estabeleceram moradas e a mata amarelou verdes esperanças. Temporais rondaram assombrosos por aquele acampamento íntimo e estremeceram os esteios de sustentação. A noite assustou, trouxe invernos frios e tempestades de castigar. Soaram sinos de alertas e chegaram avisos da necessidade de alimentar a fé. Transcorreram dias nebulosos.
Hoje, ao ver seu rosto ressuscitado e ressurgido entre as brumas, novo painel se estabelece. A manhã deste setembro acaricia a pele e rejuvenesce o corpo. Pétalas multicores rebrotam vida. Só há paz em tudo o que se vê, além da felicidade até pelos cantos. No centro da sala, o vinho celebra a misericórdia divina. As bênçãos reforçam a certeza de que “tudo passa”, alegrias e tristezas morrem e se renovam. Porém, nada desliga, ligam-se eternidades em fios de tranças.
Ontem, me vi criança. Amanhã, nem me imagino como me apresentarei, apenas sei que serei. Sobremaneira, guardo a firme convicção de estar a seu lado. Sempre seremos dois, em liberdades de viver e de querer permanecer uníssonos no partilhar trabalho e avançar no crescimento espiritual.


